Por Carla Helena Lange, 16 de setembro de 2022
Tempo de leitura: 7 minutos

Por que sua escola precisa falar de educação sexual?

Entenda a importância da educação sexual infantil e para adolescentes e veja como sua escola pode aplicar de maneira respeitosa e adequada.

Importância de falar sobre educação sexual nas escolas | Sponte

Falar sobre educação sexual nas escolas está muito em alta atualmente. A questão, inclusive, extrapolou o espaço educacional e está sendo discutida no campo político e no dia a dia das pessoas.

Nós sabemos que o tema não é simples. Vista como tabu por boa parte da sociedade, a  educação sexual infantil e juvenil está cercada por polêmicas e, às vezes, é tratada de forma pouco transparente ou até desonesta.

No entanto, especialistas e educadores concordam que a falta de um diálogo claro sobre o assunto contribui para manter crianças e adolescentes vulneráveis e mal-informados sobre seu corpo, sua intimidade e sua sexualidade.

Ainda assim, há um cabo de guerra entre os que veem a necessidade das escolas abordarem o tema e os que querem que a educação sexual infantil seja transmitida apenas pelos pais e responsáveis em casa. 

Essa discussão, muitas vezes, é causada por desconhecimento e desinformação. Por isso, neste texto, vamos discutir a importância de falar sobre o assunto, a fim de entender a educação sexual infantil sem exageros e sem os “fantasmas” de quem trata o tema como uma obscenidade e se aproveita dele como uma bandeira política. 

O que é educação sexual?

Para podermos falar sobre esse tema com clareza, é preciso entender o que é a educação sexual, despidos das barreiras do preconceito, do falso moralismo e da polêmica.

Afinal, ainda há muita gente que vê a educação sexual infantil como uma tentativa de “ensinar a criança a fazer sexo”, ou uma forma de “estimulá-la a ter experiências sexuais na infância”. Essa compreensão, no entanto, está muito longe da verdade.

Como ensinar a educação sexual nas escolas | Sponte

“A educação sexual para criança e adolescente não é ensinar fazer sexo.  A sexualidade da criança é diferente da do adulto e o foco é o conhecimento do próprio corpo. Muitos associam a sexualidade como sinônimos de relação sexual. Conversar com a criança sobre a sexualidade não estimula a prática sexual precoce, muito pelo contrário”, afirma a psicopedagoga Miriam de Oliveira Dias, em entrevista para o portal Escolas Exponenciais.

Miriam é especialista em violência doméstica e fundou o projeto Protegendo com Amor. Ela defende a ideia de que a educação sexual infantil é uma forma de falar com as crianças sobre sua privacidade, seus sentimentos e sobre a importância da autoproteção e do consentimento.

Além disso, a educação sexual nas escolas também trabalha o autoconhecimento, para ajudar as crianças e adolescentes a conhecerem os próprios corpos, compreenderem as mudanças da puberdade e entenderem questões de higiene íntima, que às vezes não são discutidas em outros espaço por serem vistas como tabus.

Dessa forma, ela é uma espécie de educação socioemocional muito importante no contexto escolar e na formação de jovens saudáveis, confiantes e preparados para a realidade.

Por que é importante falar sobre educação sexual infantil e para adolescentes?

O maior argumento a favor da educação sexual nas escolas vem de uma estimativa muito triste.  Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em junho de 2022 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocorreram 66.020 estupros no Brasil em 2021:

Dados sobre violência sexual nas escolas | Sponte

Muitas dessas crianças não são vítimas apenas do estuprador — também padecem da falta de conhecimento para entender o problema, compreender que estão sofrendo violência e saber como buscar ajuda.

A educação sexual nas escolas é importantíssima para isso. Ela ajuda a criança e o adolescente a entenderem suas situações e falarem sobre o assunto, além de permitir ao professor identificar casos e encaminhá-los, de maneira respeitosa e humana, aos órgãos responsáveis.

Nesse sentido, a escola ainda pode ir além: com a educação sexual, ela tem o potencial de se tornar um espaço de segurança — uma rede de proteção para crianças e adolescentes que são abusados em casa e não sabem para onde correr ou com quem conversar.

Puberdade, bullying e discriminação

A educação sexual nas escolas também pode ajudar a criança e o adolescente a entender e ficar em paz com seu próprio corpo — principalmente nesse momento de tantas mudanças. 

Entender a puberdade é fundamental, porque é algo que ocorre em idade escolar e, sem o cuidado ideal, pode se tornar motivo para vergonha, descriminação, bullying e até a formação de traumas que persistirão para a idade adulta.

Praticamente todos os educadores que atuaram em escolas, especialmente na sala de aula, já tiveram experiências em que viram como as crianças e adolescentes podem ser cruéis uns com os outros — ou mesmo consigo mesmos. A educação sexual pode combater isso, ajudando a criar uma escola mais inclusiva e humana.

Gravidez e ISTs

Também é importante lembrar que, com ou sem educação sexual nas escolas, adolescentes fazem sexo. Nessa idade, eles começam a explorar os próprios corpos, sentem o desejo despertar e, muitas vezes, não sabem como lidar com ele.

A questão é que, sem uma educação adequada sobre o assunto, esses adolescentes acabam buscando os lugares errados para se informarem. Geralmente, os caminhos escolhidos são os da pornografia e/ou da orientação de colegas que já tiveram suas primeiras experiências — e que podem se aproveitar do desconhecimento do “amigo”.

Isso leva, todo ano, milhões de crianças a iniciarem sua vida sexual de forma pouco saudável, perigosa, frustrante e que pode deixá-los marcados por muitos anos — seja com experiências sexuais traumatizantes, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) ou uma gravidez indesejada na adolescência.

Dados sobre violência sexual nas escolas | Sponte

Por isso, além do combate à violência doméstica, a educação sexual também é importantíssima para prevenir a gravidez na adolescência e as infecções sexualmente transmissíveis.

Novamente: isso não significa “ensinar a fazer sexo” ou “estimular o desenvolvimento sexual das crianças”. E sim falar sobre autoproteção, sobre respeitar o outro e a si mesmo. 

É sobre ter amor próprio, conhecer seu próprio corpo e seu próprio momento, e sobre não precisar fazer sexo por pressão de “colegas”. É, principalmente, sobre gerar conhecimento entre as crianças e adolescentes para que eles saibam identificar casos de abuso sexual e como agir nesses casos

Além disso, é sobre dar a esse adolescente as informações necessárias para, quando for a hora de ter a primeira experiência sexual, ele estar preparado para que esse seja um momento de respeito e crescimento saudável.

Com tudo isso, pode-se afirmar que a educação sexual nas escolas é uma forma de ajudar crianças e adolescentes a crescerem conhecendo seus próprios corpos, respeitando a si mesmos e desenvolvendo uma maturidade sexual de maneira muito mais saudável, quando chegar a hora — sem abusos e traumas.

Como abordar a educação sexual nas escolas?

A psicopedagoga Miriam de Oliveira Dias, na entrevista para o portal Escolas Exponenciais que já citamos, aponta a importância de respeitar a faixa etária e o estágio de desenvolvimento das crianças para começar a educação sexual nas escolas.

Segundo ela, a partir dos 4 anos — ainda na educação infantil — já é possível abordar o assunto. Isso porque é nessa idade em que começam a surgir mais curiosidades das crianças sobre seus próprios corpos.

No entanto, o ensino nesse momento deve ser muito cuidadoso. As crianças ainda não têm formação para entender muito sobre o assunto, então a recomendação é ensinar o nome correto dos órgãos genitais, mostrar que eles não são motivos de piada e explicar a ideia de privacidade e de respeito ao próprio corpo e ao corpo alheio.

Também é um ótimo momento para falar sobre higiene íntima — que pode ser um tabu em muitas famílias.

Depois disso, no ensino fundamental, os professores podem seguir com os mesmos conceitos, de acordo com o desenvolvimento de seus estudantes — sempre tendo o respeito como farol para guiar todas as conversas.

Para isso, é fundamental contar com professores muito bem capacitados. Vale muito a pena investir em formação continuada direcionada ao tema, de modo que os educadores que vão lidar com educação sexual estejam preparados para fazer isso da maneira correta.

Além disso, os professores precisam de inteligência emocional e preparação psicológica para poder enfrentar os problemas e desafios desse processo de ensino e aprendizagem.

A escola também deve definir como será esse ensino. Haverá uma disciplina específica? Ou a educação sexual será tratada na transversalidade das cadeiras? Cada instituição deve definir a melhor forma de aplicar — baseando-se em sua comunidade escolar e na formação de seus professores para falar do assunto.

Sexualidades múltiplas: 

Para ter uma escola mais diversa e inclusiva, também é importante lembrar das diferentes possibilidades na sexualidade de uma pessoa. 

Entende-se que a sexualidade pode ser composta por quatro elementos: órgãos sexuais, identidade de gênero, orientação sexual e expressão de gênero.

Os órgãos sexuais e as demais características biológicas, por si só, não são a expressão total da sexualidade de um indivíduo. 

Uma pessoa pode se identificar com o gênero oposto, ou se entender como não pertencente às configurações tradicionais de masculino e feminino, vendo-se como uma pessoa não binária. Quem se identifica com o mesmo gênero com o que nasceu é denominado cisgênero. Quem se identifica com um gênero diferente é transgênero ou transexual.

Ao mesmo tempo — independentemente de seus órgãos sexuais e de sua identidade de gênero —, o indivíduo pode desenvolver atração sexual e laços românticos com diferentes pessoas. As possibilidades mais conhecidas nesse espectro são a heterossexualidade (atração por alguém de outro gênero), a homossexualidade (atração por alguém do mesmo gênero) e a bissexualidade (atração por ambos). Há, ainda, a assexualidade (falta de atração sexual), entre outras, que não ficam limitadas a essa binariedade.

Por fim, é preciso lembrar da expressão de gênero, que abrange a forma com que a pessoa se veste, se apresenta, age, dá timbre à própria voz etc. Por exemplo, uma pessoa pode ter órgãos sexuais masculinos, ser cisgênero e heterossexual e, ao mesmo tempo, usar roupas femininas. Isso depende apenas da forma com que ela prefere se apresentar ao mundo.

Como trabalhar esse tema com pais, responsáveis e a comunidade escolar? 

Como já discutimos, a educação sexual é um assunto polêmico — que hoje está, inclusive, instrumentalizado politicamente. Então, é muito provável que ela gere alguma resposta na comunidade escolar.

Mas, para superar problemas desse tipo, a dica é simples e pode ser dividida em dois passos:

  1. Tenha um bom conhecimento dos benefícios da educação sexual, sabendo como ela é importante para o desenvolvimento de crianças e adolescentes saudáveis.
  2. Desenvolva uma excelente comunicação com a comunidade escolar, para que o diálogo possa ser feito de maneira efetiva e respeitosa.

Não podemos prometer que isso seja suficiente para terminar com qualquer polêmica. Contudo, é o caminho certo para convencer alunos, pais e responsáveis a reconhecerem a importância e a participarem da educação sexual na escola.

Para saber mais sobre como desenvolver uma boa comunicação com a comunidade escolar, confira nosso eBook:

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Analista de Conteúdo

Uma resposta

  1. Devemos focar nesse tema, gravidez na adolescência através de palestra e deixando bem claro que tudo tem um tempo certo e que nosso corpo passa por transformações e que esse não é o momento certo de passar por uma gestação e que seu corpo ainda esta em formação e essa gravides pode trazer problemas. Falar também sobre o abuso sexual e o que faze para evitá-los.

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