O tema da adultização infantil ganhou os holofotes e é necessário monitorar os riscos e combater esse problema sério na gestão escolar.
O influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como “Felca”, compartilhou um vídeo que chacoalhou o Brasil. O tema da publicação era adultização infantil, e, depois dela, Influenciadores foram presos, o Congresso se movimentou para aprovar uma lei, e pais e educadores por toda a nação passaram a olhar com mais atenção para suas crianças.
Mas o que, afinal, é adultização infantil? Como ela pode estar colocando em risco as crianças e adolescentes na sua escola? Como a gestão escolar pode lidar com esse problema?
Continue sua leitura e entenda tudo isso:
Na prática, a adultização infantil é a exposição precoce das crianças e adolescentes a responsabilidades e experiências adultas, assim como a cobrança ou pressão para que elas tenham comportamentos adultos.
Essa adultização precoce tem sido muito presente nas redes sociais, com um grande destaque aos influenciadores mirins: crianças que produzem conteúdos na internet e ganham dinheiro com isso — muitas vezes, tornando-se os principais provedores da família.
Há também famílias em que um adulto é influenciador, mas que os filhos acabam expostos na produção de conteúdos.
O mesmo vale para outros produtores de conteúdos que usam crianças em suas publicações, inclusive em postagens de teor adulto ou erótico.
Do outro lado, há as crianças e adolescentes que consomem esse tipo de conteúdo nas redes sociais. Apesar de não sofrerem diretamente a pressão de produzirem material para a internet, elas também estão expostas à adultização precoce e acabam reproduzindo comportamentos e problemas.
As redes sociais atualmente são a principal fonte de adultização infantil, mas o processo é complexo e precisa ser compreendido dessa forma. Entenda:
Este é o maior desafio atualmente: as crianças e adolescentes têm acesso precoce às redes sociais, e muito conteúdo publicado nesse ambiente leva a comportamentos adultos cada vez mais cedo.
E isso não ocorre por acaso. Pelo contrário: há marcas e influenciadores que focam o público infantil, justamente pela sua vulnerabilidade, e os expõem a essa adultização em troca de lucratividade.
Muitas crianças e adolescentes dizem que ser influenciador digital é um “sonho”, pois veem outras celebridades online que ganham muito dinheiro e dão a impressão de que o caminho é fácil.
Isso leva à exposição exagerada nas redes e abre o caminho para a adultização precoce.
Crianças tímidas, ou que possuem outras dificuldades de socialização, acabam apelando para as redes sociais para cumprir esse papel e adotam comportamentos mais adultos.
A adultização precoce tem um impacto direto no desenvolvimento das crianças. Veja os principais perigos da adultização infantil:
Com muita frequência, as crianças adultizadas se afastam da escola e perdem o foco nos estudos, dedicando sua atenção a outros espaços, como as redes sociais. Isso prejudica diretamente seu desempenho escolar.
A infância é um período para brincadeiras, aprendizados e experiências adequadas para a idade. A adultização precoce faz com que a criança “pule” essa etapa e não se desenvolva importantes competências pessoais e emocionais.
🔎 Leia mais: Quais são as competências socioemocionais importantes para desenvolver na escola?
Entre os perigos da adultização infantil está a exposição das crianças e adolescentes no ambiente online — muitas vezes em conteúdos sensuais e eróticos, que são completamente inadequados para a idade.
A adultização precoce pode fazer com que a criança se feche no mundo digital, ou no relacionamento com os adultos. Isso as afasta das amizades infantis, que são tão importantes nessa fase do desenvolvimento.
Uma criança adultizada pode começar a reproduzir comportamentos inadequados, não ouvir os professores, não obedecer os pais e criar problemas comportamentais na escola.
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Crianças expostas a muitos conteúdos adultos (ou “adultizantes”) nas redes sociais tendem a ficar obcecadas com a própria aparência e status, o que pode gerar outros problemas de saúde mental.
Todos os problemas que vimos até aqui tendem a ter resultados semelhantes: depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental. Em casos extremos, essas crianças podem até desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
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Em texto divulgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o psicólogo Reginaldo Torres, da Coordenação da Infância e da Juventude do TJDFT (CIJ), afirmou que “a sexualização infantil é definida como a imposição externa de sexualidade a crianças e adolescentes, geralmente por adultos”.
Isso ocorre com muita frequência no ambiente das redes sociais, e prejudica diretamente o desenvolvimento das crianças. “Essa prática é distinta da sexualidade infantil natural, que faz parte do desenvolvimento humano saudável e decorre de um processo espontâneo de autoconhecimento corporal”, acrescenta o psicólogo.
Em agosto, as duas Casas do Congresso aprovaram um projeto de lei que cria regras para combater a adultização de crianças no mundo digital.
O projeto define obrigações para as empresas provedoras das redes sociais. Elas devem, por exemplo, remover conteúdo considerado abusivo e garantir que um responsável maior de idade esteja vinculado nas redes sociais de crianças e adolescentes.
As provedoras também devem disponibilizar canais para denúncia de conteúdos com violações aos direitos das crianças e adolescentes.
Além disso, caso identifiquem conteúdos de abuso sexual, sequestro, aliciamento e exploração, as empresas devem comunicar imediatamente às autoridades.
O texto foi encaminhado para aprovação da Presidência da República.
Outra legislação importante no combate à adultização precoce é a lei n.º 15.100, de 13 de janeiro de 2025, conhecida como lei do celular na escola.
O próprio Ministério da Educação aponta que a lei “visa salvaguardar a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes, promovendo um ambiente escolar mais saudável e equilibrado”.
Com essa redução do acesso às redes sociais, os alunos têm tempo para estudarem e criarem vínculos reais com amigos da sua idade.
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É função da gestão escolar aumentar a segurança no ambiente educacional e cuidar do bem-estar dos alunos — e isso envolve combater a adultização infantil.
Alguns passos importantes para isso são:
As crianças e adolescentes passam muitas horas do seu dia no ambiente escolar. Assim, professores, pedagogos e outros profissionais da educação têm a oportunidade de acompanhar seu comportamento e identificar cedo sinais de problemas.
Em matéria da CNN Brasil, a psicanalista e educadora sexual Marcella Jardim apontou sinais comuns de que uma criança está sendo adultizada:
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Historicamente, a escola tem sido um dos principais espaços para construir vínculos afetivos durante a infância e a adolescência. É lá que a maioria das crianças fazem seus primeiros amigos e começam a ter uma vida social.
No entanto, as redes sociais começaram a ocupar cada vez mais esse espaço — e é função da gestão escolar trabalhar para manter sua relevância por meio de brincadeiras, interações e outras atividades focadas na construção de vínculos saudáveis.
O aluno que é vítima de algum tipo de exploração, ou que vê um amigo sofrendo esse processo, muitas vezes não sabe com quem falar. Se a escola mostrar-se aberta para ouvir e ajudar — sem julgamentos —, ela pode se tornar uma verdadeira salva-vidas para essas crianças.
A adultização infantil, assim como a saúde mental das crianças, é um tema complexo e delicado. Para lidar com situações sérias, é importante contar com o apoio de educadores e psicólogos especializados no tema.
A atuação da escola não deve ocorrer sozinha. As famílias devem ser convidadas a participar e a ajudar a cuidar das crianças também no seu tempo fora da escola.
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Quando os casos de adultização infantil forem sérios — ou quando a família estiver envolvida negativamente —, é obrigação da escola acionar as autoridades e denunciar a situação.
Como vimos, problemas socioemocionais das crianças e adolescentes abrem espaço para adultização e exploração. Por isso, a escola também deve ajudá-las na formação de importantes competências sociais e emocionais.
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Esse cuidado é ainda mais importante com alunos neurodivergentes, que possuem mais vulnerabilidades e dificuldades nas relações sociais.
Na mesa-redonda abaixo, você pode conferir mais informações sobre como cuidar desses estudantes, com uma educação socioemocional mais completa: